Mergulho Encadeado

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“Não nos responsabilizamos por objetos deixados nos armários.”

Dizia o aviso em letras garrafais plastificadas colado na fria e úmida parede do vestiário da ala de natação.
Por imediato impulso, perguntei a recepcionista onde comprar um cadeado e ela rapidamente me indicou uma loja a três quarteirões de distância em que encontraria o que buscava.
Desci as escadas e assim que cheguei à calçada, virei-me e olhei por alguns segundos a movimentada fachada ilustrada por vultos humanos entre vidros, realizando seus exercícios no velho e sóbrio prédio de três andares no qual a academia se instalara.
Por um momento, pensei naquele prédio como um centro de treinamento para super-humanos que tinham como objetivo alcançável anúncios de televisão e ensaios de revistas de boa-forma e bem-estar.
Desviei a atenção e me coloquei a caminho da loja indicada. Meus passos descompromissados me faziam refletir sobre minha ligação com a natação.
Diferente das pessoas que observei, não buscava-a por realização estética ou aprimoramento corporal.

Desde criança, estar submerso me elevava.
Para mim, sermos 70% água sempre fez muito sentido. Não obstante,  acho pouco. Mergulhar em uma piscina me recorda diariamente que sou mar.
Quando estou no litoral, encaro o processo de vencer a praia, quebrar as ondas e submergir como um retorno ao vazio. Um gesto no acaso.
Como que por osmose o “eu” é absorvido. Sou fagocitado. Agora sou mar. A imensidão do oceano me supera.
Quanto mais abissal é meu mergulho, mais alto eu vou. Contemplo a vida de modo ausente com os sentidos em estado passivo, observando cada traço do tempo e espaço com a maior devoção possível. Alcanço um nível de consciência invejável e exploro com uma neutralidade analítica tudo o que me rodeia.
Até que chego ao limite. Meu corpo, na ausência de oxigênio, requer ar. Na diminuição da temperatura corporal; pede por fogo. Na falta de base sólida; roga por terra . Meu corpo não quer ser mar, ou simplesmente não consegue, ainda.

Saio d’água e me dirijo à praia. Não penso em nada, sou apenas um corpo se movendo. Coração batendo, pulmão respirando.
Viro a esquina e encontro a loja indicada. A atendente está ao telefone, parece conversar com seu namorado ou algum pretendente. Atenta ao locutor, morde os lábios e sorri com o canto da boca ao olhar para baixo. Desconcertada, direciona olhares para todas as direções e trata de finalizar a ligação logo que me vê. Saco que logo atrás dela, encontra-se o que procuro.
Informando-a, ela me oferece um cadeado de segredo da Papaiz e me explica gentilmente que a senha deve ser definida assim que eu abrir o fecho. Pago o valor pedido e ali mesmo defino a senha de quatro dígitos –  7000 –  e fecho o cadeado.

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1 Resposta to “Mergulho Encadeado”


  1. 1 Juliana Pirola 01/06/2015 às 3:32 am

    Me sinto mergulhada em palavras profundas, um mergulho encantado, ops “encadeado”


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