Provocações – Enquadrando o Centro

Há dias venho criando coragem para escrever sobre assuntos bastante discutidos no campo da Arquitetura e Urbanismo e que quando citados, em uma aula, palestra,seminário ou até em uma conversa informal entre colegas, são tratados de forma pouco critica ou abordados de maneira preguiçosa, confortando-se nas concepções do senso comum.

 _ Enquadrando o Centro

Recentemente, políticas urbanas pró-centro vem ganhando espaço no cenário atual. Entre elas, Casa Paulista, Operação Urbana Centro ,a já extinta Nova Luz e etc. Respeitando suas singularidades e diferentes meios de ação, todas compartilham do mesmo objetivo: tornar novamente o centro¹ em uma região de grande vitalidade, captando recursos para projetos de moradia e incentivos a comércio e serviços, em resumo, requalificação urbana.

Contudo, ignorando a reviravolta na configuração urbana que o séc. XIX e XX presenciaram², ainda existem algumas “cabeças-ocas” do séc. XXI que insistem na ideia de re apropriação do centro de São Paulo como o  único  “centro da cidade”. Não é cabível acreditar que São Paulo, tomando as suas atuais proporções de metrópole, possa retornar a priorizar e evoluir a partir do seu centro e que, como sabemos, não é o único centro histórico da cidade, veja Santo Amaro ,por exemplo.

A cidade, em sua concepção, não se define pelo seu centro histórico ou geográfico, ela se define pelas percepções de quem a vive. Tal apropriação ocorre de maneira local e de individuo para individuo . As cidades contemporâneas são multifacetadas, são peças de quebra-cabeças³ produzidas por seus habitantes que quando montadas ainda assim não formam um todo. Para quem vive fora delas, podem até serem vistas como um conjunto, mas quem vive dentro dessas cidades, sabe que podem existir abismos entre um bairro e outro.

Seria um plano ideal remanejar a população que vive fora do centro para o perímetro central e torná-lo denso e vibrante, “como nos velhos tempos” o que de fato nunca foi verdade. Sabemos ainda que o centro histórico exibe a maior parcela de imóveis tombados do município e com áreas envoltórias que podem limitar a verticalização tornando o adensamento uma tarefa difícil. Em outras palavras, não precisamos virar as costas à periferia e as novas centralidades de São Paulo e idolatrar o centro para construirmos uma cidade sadia e sustentável.

O centro precisa de adensamento? De fato, precisa! Mas não podemos nos esquecer que os Jardins e o Pacaembu, por exemplo, não são densos. Quem, por ousadia, teria coragem de propor o adensamento dessas regiões também? Um morador do Jardim Ângela, um dos bairros mais populosos distantes do centro, mora em uma São Paulo diferente de um morador de Cerqueira César, e ambos têm como o “centro da cidade” o mesmo espaço ou não.

Com a distribuição de equipamentos, moradia e ofertas de emprego, diminuiremos distâncias. Em sua quantidade e qualidade demográfica, São Paulo nunca será uma só. É preciso assumir sua diversidade e trabalhar para torná-la territorialmente democrática. Quanto mais a cidade crescer com maior frequência haverá paulistanos nas bancas de jornal da 15 de novembro perguntando, em interrogação digna de um turista, como chegar a Rua São Bento ou a Praça da Sé.

Mas se apesar de tudo, você continuar alimentando a ideia  quadrada de que a “essência de SP se encontra unicamente no centro” ou “todos deveriam morar/ir para lá”, sugiro que você  esqueça os meios de transporte existentes e comece a propor o teletransporte como alternativa preferencial de locomoção.

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¹ O centro a que o texto se refere, compreende os distritos de sé,república,santa cecília,consolação,bela vista e liberdade.

² Referência a revolução industrial e o consequente surgimento do zoning ,além de outros parâmetros de uso e ocupação do solo, que transformaram a organização espacial da cidade.

³ Parte da definição em Rolnik,Raquel – O que é Cidade – São Paulo – Brasiliense,1995.

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